sábado, 14 de julho de 2012

O que afundou o etanol


São Paulo - Como é possível afundar um setor inteiro da economia em apenas três anos? O governo brasileiro fez, de uns tempos para cá, um esforço danado para destruir algo que vinha dando muito certo: a indústria de etanol. Até quatro anos atrás, o combustível feito da cana-de-açúcar parecia destinado a transformar a economia brasileira. 

De olho em seu potencial, chegou ao Brasil gente muito pouco acostumada a perder dinheiro, como as multinacionais Shell, British Petroleum e Bunge e até os investidores  Steve Case, fundador da empresa de internet AOL, e George Soros. 

O ápice aconteceu em 2008, quando os investimentos em novas usinas chegaram a 10 bilhões de dólares — e o volume de etanol vendido superou o da gasolina. Parecia o início de um movimento, mas foi, na verdade, seu pico. Entre 2009 e 2012, o setor de etanol só deu más notícias.

A produção de cana caiu 18% em 2011. E não há nenhum grande projeto previsto para os próximos anos. De longe, o principal culpado pela crise do etanol é a política de preços de combustíveis do governo, que mantinha há nove anos o preço da gasolina estável. No fim de junho, parecia que, finalmente, Brasília acordaria para o drama causado pelo subsídio à gasolina. 

Falou-se num aumento de cerca de 15% nos preços. Mas logo seria jogado um balde de gelo em quem estava animado com essa perspectiva. A Petrobras anunciou um reajuste de 7,83% no preço da gasolina. Na prática, abastecer com gasolina vai continuar a ser mais barato do que usar álcool nos próximos meses. 

É um sinal de que 2012 deve ser tão difícil para usineiros brasileiros quanto os últimos três anos. Qual foi a receita para afundar um setor inteiro em apenas três anos? A seguir, a equação que deixa tão difícil a tarefa de ganhar dinheiro com etanol no Brasil. 

1 Preços controlados

O maior inimigo dos usineiros é o mesmo que, há poucos anos, prometia ser seu maior aliado — o governo federal. No fim de 2008, a Petrobras começou a prospectar petróleo na camada do pré-sal. Foi a senha para o petróleo passar de vilão nacional a salvador da pátria. 

Todas as atenções se voltaram para os combustíveis de origem fóssil. Em meio a tudo isso, o etanol acabou um tanto esquecido. A política de controle de preços da Petrobras começou a corroer os resultados de quem produz álcool combustível — o custo dos usineiros, afinal, não é fixo, ao contrário do preço da gasolina.

Os impostos da gasolina caíram de 47% para 35%, segundo a União da Agroindústria Canavieira, permitindo que a Petrobras elevasse o preço da gasolina na refinaria sem que o aumento chegasse ao consumidor final. O objetivo do governo, como se sabe, é controlar a inflação, mesmo que, para isso, seja necessário sacrificar o caixa da Petrobras.

O problema, para quem produz etanol, é que só faz sentido abastecer com álcool se seu preço for no máximo 70% do preço da gasolina — já que sua eficiência como combustível é menor. Resultado: desde 2009 não tem valido a pena para o consumidor abastecer com etanol. E assim, desestimulado, o setor pôs o pé no freio.

Os usineiros pedem redução de impostos. Segundo os empresários do setor, o etanol é mais tributado do que a gasolina se considerados os impostos por quilômetro rodado, já que o rendimento do etanol é menor. Nem mesmo os recentes estímulos à compra de automóveis surtirão efeito.

Em maio, o governo cortou os impostos que incidem sobre os carros novos e facilitou o crédito para o setor automotivo, com o objetivo de desovar o estoque das montadoras. Mas, com o preço da gasolina controlado, abastecer com álcool vai continua­r  a ser uma desvantagem.

E os carros que saírem dos pátios vão usar gasolina, não etanol. Segundo empresários do setor, esse é, de longe, o principal motivo para a crise recente. Não é o único, como se verá adiante.  

2 Crise financeira 

As dívidas do setor só fazem crescer. Passaram de 7 bilhões de dólares, em 2006, para mais de 25 bilhões de dólares, no ano passado. Os grupos que investiram em produção antes da crise de 2008 tomaram muito dinheiro emprestado — e, com os anos difíceis que vieram depois, ficou mais complicado pagar os empréstimos. 

Grandes multinacionais, como a indiana Renuka, a espanhola Abengoa e a singapurense Noble, decidiram colocar à venda suas usinas no país. Ficou tão difícil ganhar dinheiro que Rubens Ometto, fundador da Cosan e maior usineiro do país, decidiu diversificar seus investimentos. 

Hoje, ele investe em setores mais estáveis, como distribuição de gás e logística. Em entrevista recente a EXAME, definiu o setor de açúcar e álcool como uma montanha-russa. 

3 Baixa produtividade 

A disparada dos gastos das usinas também atrapalhou. Em uma década, os custos de produção dobraram, puxados por fatores como a multiplicação do preço do aço, matéria-prima usada para construir novas usinas, e dos salários dos cortadores de cana. O encarecimento das terras também pesou. 

A baixa produtividade foi outro fator a deprimir o setor sucroalcooleiro. De um lado, algumas usinas adotaram variedades de cana-de-açúcar mal-adaptadas a novas áreas de produção, como Goiás, Mato Grosso do Sul e Tocantins. De outro, a sucessão de problemas climáticos, como falta de chuvas ou geada em excesso, exerceu papel de vilão. 

A crise financeira secou a oferta de crédito, o que impediu as endividadas empresas de investir na renovação dos canaviais, tarefa essencial para aumentar o rendimento das lavouras. Tudo somado, a produtividade caiu de quase 90 toneladas por hectare, em 2009, para 69 toneladas, em 2011. 

“Essa é a produtividade que obtínhamos nos anos 70”, diz Ismael Perina Júnior, presidente da Associação dos Plantadores de Cana da Região Centro-Sul do Brasil.  

4 Expansão do açúcar e do álcool anidro  

Para complicar ainda mais a situação, o aumento da frota de veículos forçou o Brasil a elevar as importações de gasolina. Elas passaram de 9 000 barris diários, em 2009, para 80 000 barris, em 2012. Com o aumento do consumo de gasolina nos últimos anos, a fabricação do álcool anidro, aquele que é adicionado à gasolina, engoliu parte do terreno antes ocupado pelo hidratado, o etanol que o consumidor compra nos postos de combustíveis. 

Além disso, as usinas têm dado pre­ferência à produção do açúcar, que, no momento, tem preços mais atrativos no mercado internacional. Resultado: o Brasil precisou até importar etanol no ano passado. Quase 1 bilhão de litros do combustível veio do exterior, sobretudo dos Estados Unidos. 

Essa situação era inimaginável até 2008, quando o etanol de cana-de-açúcar brasileiro era cantado como um produto muito mais eficiente do que aquele produzido do milho nos Estados Unidos. “Não é aceitável vermos o etanol reduzido à mera condição de aditivo da gasolina”, diz Miguel Rossetto, presidente da Petrobras Biocombustível (Pbio).  

Há saída? 

Se o Brasil quiser de fato se tornar uma potência em energia renovável, vai precisar dobrar sua produção de etanol até 2020, segundo estimativas de especialistas. Isso exigirá a construção de pelo menos 120 usinas e a moagem anual de 1,2 bilhão de toneladas de cana. 

Do jeito que a coisa está hoje, quem vai investir 1 real sequer nesse negócio? “Temos um problema estrutural no setor, já que a produção de etanol está com a margem de lucro nula ou negativa. Nessas condições, não se pode esperar novos investimentos do setor privado”, diz Pedro Parente, presidente da Bunge Brasil, terceira maior empresa do setor. 

A única forma de começar uma virada, segundo especialistas, é mudar a política de preços da Petrobras. O etanol continua a ser uma fonte de energia renovável e menos poluente do que as derivadas do petróleo. Enquanto o preço da gasolina for usado para controlar a inflação, o governo fará com o etanol o mesmo que vem fazendo há três anos: levando-o à lona. 


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