quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Caso Chevron: histórico de tragédias

Os mais afetados. Indígena da etnia Cofán, comunidade de Dureno. Pelo menos outras três etnias equatorianas foram as mais afetadas pela contaminação petroleira, o que afetou drasticamente o seu acesso à água, caça e pesca. Seu modo de vida foi alterado substancialmente. Foto: Ernesto Benavides/OXFAM (www.supayfotos.com)
Na semana passada houve certa confusão em Taracoa, Lago Agrio, Coca, Dureno e outras cidades e comunidades das províncias amazônicas de Sucumbíos e Orellana, no Equador. Donald Moncayo, ativista que há anos tem mostrado os estragos da Chevron, deve ter se alegrado. Silvio Chapal, dirigente da etnia Cofán, também espera tempos mais felizes: a Corte Provincial de Sucumbíos, no Equador, ratificou a sentença que impõe uma indenização de quase U$ 20 bilhões à empresa petroleira pelos estragos que causou na floresta amazônica equatoriana.

O hoje qualificado como “processo ambiental do século” começou em 1993 em uma corte de Nova York, mas em 1994 chegou à Corte Provincial de Sucumbíos. Quase 17 anos depois, em 14 de fevereiro de 2011, este tribunal emitiu uma decisão devastadora: a empresa Chevron, que em 2001 comprou a Texaco, deveria pagar U$ 8.646 milhões por danos causados a pessoas e ecossistemas. Sobre a quantia somam-se 10% a favor dos atingidos e outro pela falta de pedido público de desculpas, o que eleva o valor total para U$ 18.064 milhões. O advogado Pablo Fajardo, que representa os afetados, já pensa em como começará a cobrar o valor em um processo que poderia durar entre dois e cinco anos.
 
James Craig, porta-voz da empresa, declarou à agência AFP que estão “analisando o tema”, embora ainda possam recorrer e levar a decisão à Corte Nacional de Justiça para que o processo seja revisado. Para Fajardo, esse recurso não impede a execução da sentença.

A Chevron já não está mais presente no Equador, mas seus bens poderiam ser congelados, assim como suas contas em outros países onde atua como Angola, Singapura, Venezuela ou no próprio Estados Unidos, local de origem da empresa. Mesmo que pareça incrível, a possibilidade de que isso aconteça fará com que o processo tenha mais idas e vindas tensas e difíceis.

Poços, piscinas, remédios
Foto: Ernesto Benavides/OXFAM (www.supayfotos.com)

É preciso ter estado no lugar onde moram os afetados para entender porque se tem persistido neste processo. Ambas províncias equatorianas (Sucumbíos e Orellana) estão cheias de restos de piscinas escuras (abertas para depositar os restos da escavação petrolífera), de chaminés com fogo (para expulsar para o ar outros resíduos da exploração) e de centenas de tubos emaranhados e horríveis. Isto é visível perto do campo petrolífero Auca, onde ainda funcionam alguns poços com tubos que parecem competir para asfixiar a floresta amazônica. Esta corrida em busca de hidrocarbonetos começou na década de 60, quando as leis ambientais não eram nem sonhadas.



A Texaco começou a atuar na região em 1964 e esteve lá até 1990, quando entrou para operar a empresa estatal Petroecuador. De acordo com os atingidos, no entanto, teria permanecido até 1993 e no decorrer destes anos cavou 339 poços, cada um deixando atrás de si um rastro de piscinas sujas e contaminantes. Por isso muita gente tem vivido e crescido cercada de resíduos petrolíferos.



A Chevron, por sua vez, afirma que em 1995 chegou a um acordo com o governo de Sixto Durán Ballén (1992-1996), que a fez executar um “plano de remediação” onde fechou 33% das piscinas que, de acordo com a empresa, seriam de sua responsabilidade (tinham uma participação de um terço no consórcio que formava com a Petroecuador). A operação das mesmas teria sido concluída em 1998.



Os atingidos, no entanto, argumentam que “não existe nenhum documento que extinga as obrigações” e afirmam que, durante anos, a estratégia da Chevron consistiu em dilatar o processo. Enquanto isso, as denúncias por numerosos casos de câncer e outras doenças continuaram se proliferando e hoje são apresentadas como evidência de que os nefastos restos de petróleo destroçaram o ecossistema amazônico e também afetaram a saúde humana.

A prova nas mãos. Donald Moncayo, habitante da zona afetada, segura em suas mãos restos de petróleo encontrados no meio da floresta. Teriam sido deixados no local na década de 80 pela empresa Texaco, comprada pela Chevron. Foto: Ernesto Benavides/OXFAM (www.supayfotos.com)
Males no corpo e na floresta

É comum ouvir pela zona onde vivem os afetados histórias de má formação genética, doenças de pele, abortos e inúmeros casos de tumores. Ao mesmo tempo é difícil afirmar que todos os casos estão relacionados com a contaminação petrolífera. Se por um lado parece evidente, por outro o número de doentes com câncer tem aumentado na região, conforme declara o doutor Edgar Chamba, da Sociedade de Luta contra o Câncer (Solca). A Chevron sempre se defendeu afirmando que não existem reais evidências científicas sobre o tema e que, finalmente, existe uma forte presença bacteriana nos rios do oriente equatoriano.

Se chegarmos às aldeias indígenas, porém, testemunhos sobre a contaminação dos rios são numerosos. Na comunidade Cofán de Dureno (além dos Cofán, também foram afetados os Secoya, Kichwa, Achuar e Huaorani), os líderes afirmam que é cada vez mais necessário viajar para longe para poder pescar já que não existe, de jeito nenhum, a abundância de peixes que havia antes.

“A companhia jogou deliberadamente bilhões de litros de águas tóxicas nos rios e riachos, derramou outros milhões de petróleo bruto em resíduos perigosos ao ar livre. O resultado é a devastação geral do ecossistema da floresta, das comunidades indígenas locais e um dos piores desastres ambientais da história”, afirma a organização Amazon Watch, que acompanha o caso.

Fundos por processos?

“A caça também já falta”, observa Chapal, professor de uma das comunidades afetadas. Por isso agora focam no artesanato. Nos arredores as chaminés, tubos e até poços sem nenhuma proteção podem ser vistos perto das estradas como parte da lamentável paisagem que, apesar de tudo, ainda conserva sua força e beleza.

Em dezembro passado Mitch Anderson, membro da Amazon Watch, disse que a Chevron ofereceu uma grande soma de dinheiro à iniciativa Yasuní (que busca não explorar o petróleo que existe debaixo do parque nacional do mesmo nome, para assim mitigar o aquecimento global). O montante teria vindo motivado pelo arquivamento do processo contra a empresa. É só uma especulação, mas deixa um amargo sabor de como se brinca com a Amazônia.

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